terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O relógio e o tempo na Pós-Modernidade


No século XIX, com a expansão das estradas de ferro, as férias se tornaram viáveis para a maioria das pessoas. Na Inglaterra, foi adotada uma hora ferroviária uniforme, baseada no Tempo Médio de Greenwich[1], Em 1884 foi realizada uma conferência internacional em Washington (EUA) para decidir sobre o meridiano-origem comum ao tempo e à longitude. Decidiu-se que esse meridiano seria o que passa pelo Observatório de Greenwich e que o Tempo Universal seria o GMT (WHITROW, 1993).
A introdução do sinal de hora pelo rádio no início do século XX dispensou o uso do método da distância lunar na checagem dos cronômetros marinhos. Assim como o rádio, a introdução da televisão e dos motores de combustão interna aumentaram a dependência do relógio (WHITROW, 1993).
Na década de 1920, a precisão da cronometragem foi melhorada por W. H. Shortt, que aperfeiçoou o relógio de pêndulo de modo que independesse da temperatura.  A precisão alcançada foi de 30 milissegundos por dia (WHITROW, 1993). Na década de 1930, uma precisão maior foi alcançada com o uso das vibrações mecânicas de cristais de quartzo num campo elétrico em vez das vibrações de um pêndulo no campo gravitacional da Terra. O relógio de cristal de quartzo é discutido na seção 1.6.3.
Por muitos séculos o tempo foi controlado pela rotação do planeta. Porém, há determinadas características que fazem com que a velocidade de giro da Terra sofra pequenas variações. Entre elas destaca-se o fato da superfície da terra não ser uniforme, de haver variação na proporção de ar e água, devido aos processos de liquefação e condensação, e também pequenas mudanças que ocorrem no núcleo da Terra. Em função disso, em 1952, o padrão de tempo deixou de ser a rotação da Terra e passou a ser dado pela freqüência de uma linha espectral específica de uma vibração atômica ou molecular (WHITROW, 1993), comentada na seção 1.6.4.

A Teoria da Relatividade e o tempo relativo

No dia-a-dia de uma pessoa comum, 1 metro será sempre 1 metro e 1 segundo será sempre 1 segundo. Até a publicação, em 1905, da Teoria da Relatividade Especial (TRE), por Albert Einstein, acreditava-se que espaço e tempo eram absolutos.
A Teoria se baseou em dois postulados: o princípio da relatividade (as leis da Física são as mesmas em todos os referenciais inerciais) e o princípio da constância da velocidade da luz (a velocidade da luz no vácuo tem o mesmo valor c, independentemente da velocidade do observador e da fonte)[2].
O primeiro postulado é uma extensão do princípio da relatividade newtoniana (as leis de Newton são invariantes em todos os referencias inerciais) para incluir todos os tipos de fenômenos físicos, inclusive os eletromagnéticos. Como conseqüência, não existe nenhum referencial inercial privilegiado e, portanto, o movimento absoluto é impossível de ser detectado (TIPLER, 2001)
Como conseqüência do segundo postulado, o tempo e o espaço ganharam outra identidade, tornaram-se relativos, contrariando a doutrina newtoniana, na qual espaço e tempo eram absolutos:
Não existe, por exemplo, objetos sem tempo, nem períodos de tempo que não seja demarcado por objetos colocados no espaço. Newton, entretanto, considerara o espaço e o tempo como entidades reais, coisas físicas que existem independentemente da nossa percepção mental — ou, por outra, livres de condições impostas de fora (TRATTNER, 2003, p.21)
Newton condensa sua doutrina em duas proposições:
(A) há um tempo real, absoluto e matemático, que se escoa uniformemente em virtude da sua própria natureza, independentemente de qualquer circunstância exterior; (B) há um espaço absoluto, que permanece sempre o mesmo, em virtude da sua própria natureza, independentemente das circunstâncias exteriores, e imóvel (TRATTNER, 2003, p.21).
O erro de Newton foi separar o espaço do tempo, porque eles se interpenetram e são relativos um ao outro. Assim, o mundo não possui apenas três dimensões, mas quatro. O tempo é a quarta dimensão. Apesar do erro, a Teoria da Relatividade não veio para derrubar as idéias de Newton, mas complementá-las:
Quando Einstein proclamou a Teoria da Relatividade, o entusiasmo popular que a acolheu era animado da falsa impressão de que ela constituísse uma refutação completa de Newton. Na realidade, porém, a relatividade é uma expansão e um refinamento das idéias de Newton (TRATTNER, 2003, p.25).
A descrição de um evento[3] só é perfeita quando as três coordenadas espaciais e a coordenada temporal são especificadas. As coordenadas espaciais podem ser comparadas a uma rede tridimensional de réguas, paralelas aos três eixos de referência. Em cada interseção entre essas réguas, é colocado um relógio para determinar a coordenada temporal (Figura 14) (HALLIDAY, RESNICK e WALKER, 2003).



Figura 14 – O sistema de coordenadas
 espaço-tempo

                                                      Fonte: http://cmup.fc.up.pt

Esses relógios devem ser sincronizados adequadamente. Sincronizar não é “reunir um conjunto de relógios idênticos, ajustar todos para a mesma hora e deslocá-los para suas posições na rede de réguas” (HALLIDAY, RESNICK e WALKER, 2003, p.103). Um dos métodos utilizados para sincronizar uma rede de relógios se baseia num sinal luminoso e no intervalo de tempo que esse sinal gasta para chegar até o relógio. Esse método é descrito a seguir:
O observador pede a ajuda de um grupo de auxiliares, um para cada relógio. Em seguida, o observador se coloca em um ponto escolhido para ser a origem e produz um pulso luminoso no momento em que seu relógio indica t = 0. quando o pulso luminoso chega ao local onde se encontra um dos auxiliares, este auxiliar ajusta o relógio para indicar t=r/c, onde r é a distância entre o auxiliar e a origem. Os relógios estarão então sincronizados (HALLIDAY, RESNICK e WALKER, 2003, p.103).
Pela TRE, a velocidade da luz no vácuo teria um valor absoluto, sendo esta a maior velocidade possível. Para isto, em qualquer referencial, as distâncias devem encolher na direção do movimento e o tempo deve se dilatar para o observador em movimento.
O intervalo de tempo entre dois eventos que ocorrem num mesmo ponto em um referencial inercial (intervalo de tempo próprio) é sempre menor que o intervalo de tempo medido em qualquer outro referencial (tempo relativo). Por isso, dizemos que o tempo se dilata. A relação entre o tempo próprio (delta t’) e o tempo relativo (delta t)  é:
O parâmetro representado pela letra grega gama é o fator de Lorentz:
 Já o comprimento do corpo medido num referencial em que este se encontra em repouso (comprimento próprio) é sempre maior que o comprimento medido em qualquer outro referencial (comprimento relativo). A relação entre eles é:
 
    onde L é o comprimento relativo e L’ é o comprimento próprio.

Para exemplificar, imaginemos a seguinte situação: Jorginho e Paulinho são dois amigos fascinados por aventura. Um certo dia, foram convidados pela NASA[4] para um viagem espacial que duraria 60 dias (5.184.000 s) para os observadores na Terra. Paulinho aceitou o convite, mas Jorginho ficou com medo e preferiu ficar por aqui. A nave que levou Paulinho para conhecer o espaço tinha 20 metros de comprimento e viajava com 30% da velocidade da luz no vácuo (0,3 c = 9 x 107 m/s). Quanto tempo a viagem durou para Paulinho? E qual o comprimento da nave medida num referencial inercial situado na Terra?
O tempo medido por Jorginho é o tempo relativo (Dt) e o tempo medido por Paulinho é o tempo próprio (Dt’). Para v = 0.3c, o fator de Lorentz é igual a 1,048. E, portanto, o tempo medido por Paulinho, em segundos, é igual a 4.945.220s, pouco mais de 57 dias. O comprimento da nave diminui 0,92m para os observadores que ficaram na Terra.

A descoberta da radioatividade e a datação da Terra: o fim de uma controvérsia

No século XVIII, “a crença de que a idéia de tempo é parte essencial da idéia de natureza começou a se difundir” (WHITROW, 1993, p.172). Vários cientistas tentaram explicar a origem e a evolução do universo. Para Whitrow (1993), a concepção de Descartes de que o universo teria evoluído por processos naturais de separação e combinação foi a origem de uma sucessão de teorias da evolução cósmica.
Alguns cientistas e pensadores começaram a rejeitar a cronologia da natureza baseada na Bíblia, pois era impossível chegar ao estado de evolução atual em tão pouco tempo. Em 1788, o geólogo James Hutton concluiu que não havia vestígios de um começo e nem perspectiva de um fim. Hutton consolidou a Geologia como ciência e, através do princípio de causas naturais, que afirmava que “todo registro geológico podia ser explicado pelos mesmos processos que atuam hoje, como erosão, sedimentação, vulcanismo, etc., sem necessidade de apelar para origens especiais ou intervenções divinas”, ele articulou suas idéias modernas sobre Geologia e história da Terra (TEIXEIRA et al, 2003, p.312).
A Figura 15 mostra um cálculo da idade da Terra feito na Idade Média, mais precisamente no ano de 1560, que garantia que a Terra tinha 5.200 anos. O Arcebispo Ussher (1581-1656) que publicou um outro documento deste tipo, e mais detalhado, um século depois, “declarou que a Criação deu-se na noite anterior ao dia 23 de outubro, um domingo, do ano 4004 antes de Cristo” (TEIXEIRA et al, 2003, p.307). Essa maneira de contar a idade da Terra continuou a ser difundida na Idade Média e também no Renascimento por sábios europeus, que estimavam a idade da Terra em 6.000 anos, em concordância com a Bíblia.
Figura 15 – O conceito medieval da idade da Terra

                               Fonte: http://www.enem.inep.gov.br

No século XVII, o físico Robert Hooke sugeriu a idéia de se usar fósseis para estabelecer uma cronologia das rochas. Mas foi somente em 1815 que o agrimensor inglês e colecionador de fósseis William Smith traçou o primeiro mapa geológico de todo um país. Alguns anos antes, o francês Jean-Louis Giraud Soulavie foi o primeiro a reconhecer que a ordenação estratigráfica[5] das rochas pode ser vista como uma ordenação cronológica (WHITROW, 1993). Durante o século XIX,
A idéia do tempo como progressão linear passou finalmente a prevalecer, graças à influência dos evolucionistas biológicos, mas a mentalidade que tornou possível contemplar as centenas de milhões de anos exigidas para que o trabalho da seleção natural explicasse as espécies passadas e presentes foi originariamente preparada por geólogos (WHITROW, 1993, p. 175)
Além disso,
Medições de tempo geológico que não sejam meras adivinhações exigem apelo à física, e neste ponto Darwin enfrentou o que acreditou ser uma das mais sérias objeções à sua teoria. Em 1854, o físico e fisiologista alemão Helmholtz sugerira que o Sol mantém sua enorme emissão de radiação por estar encolhendo continuamente, liberando assim energia gravitacional, a qual é convertida em energia térmica de radiação. Calculou que a taxa atual de radiação solar não poderia ter sido mantida pelo Sol por mais do que cerca de 20 milhões de anos. Essa conclusão foi apoiada pelo físico britânico William Thomson (que se tornou lorde Kelvin em 1892), que julgou que essa estimativa poderia ser estendida no máximo até 50 milhões de anos (WHITROW, 1993, p. 175)
           O problema temporal da idade da Terra, do Sol e, posteriormente, do Universo, só foi solucionado após a descoberta da radioatividade, no final do século XIX. E, para surpresa de muitos, não era da ordem de dezenas de milhões de anos, como sugerira o lorde Kelvin, e sim de milhares de milhões de anos, como relatado abaixo:
Atualmente se sabe que há nas rochas da crosta uma abundância de elementos radioativos suficiente para tornar extremamente pequena a perda efetiva de calor da Terra, e a idade de algumas dezenas de milhões de anos que Kelvin estimou para o planeta foi substituída por cerca de 4.500 milhões de anos. Assim também, hoje é consenso que o calor do Sol é mantido por processos termonucleares que ocorrem no seu núcleo, podendo permanecer constante por bilhões de anos; a idade que atualmente se atribui ao Sol é de cerca de 4.700 milhões de anos (WHITROW, 1993, p. 177)
           A radioatividade, por ser um processo não-cíclico, é um indicador da “seta do tempo”. Esse processo ocorre no núcleo atômico e independe de fatores externos. Existem mais de 2.500 nuclídeos conhecidos. Denomina-se nuclídeo um determinado núcleo com valores definidos para o número de prótons e de nêutrons. Desses 2.500 nuclídeos, cerca de 300 são estáveis. Os outros são estruturas instáveis que sofrem decaimento ao emitir partículas (alfa e beta) e ondas eletromagnéticas (raios X e raios gama) para se tornarem estáveis. Esse decaimento varia desde frações de microssegundo até bilhões de anos. Meia-vida é “o tempo necessário para que o número de núcleos radioativos se reduza à metade do número original N0.[...] O números de núcleos radioativos restantes depois de sucessivas meias-vidas são N0/2, N0/4, N0/8,....” (YOUNG; FREEDMAN, 2004, p.346).
           Um processo muito utilizado para estimar a idade da Terra baseia-se na comparação das quantidades de urânio e chumbo presentes em minérios de urânio, que acredita-se existirem desde a formação do planeta. O chumbo presente nesses minérios provém do decaimento do isótopo 238U que, após uma série de emissões radioativas, resulta na formação do isótopo 206Pb, estável. Nesta série cada átomo de chumbo 206 provém de um átomo de urânio 238. Assim, o número de átomos de 206Pb presentes em um minério de urânio (pechblenda, por exemplo) indica o número de átomos de 238U que sofreu decaimento (EICHLER, 2007).
           De forma semelhante, a datação com o carbono-14, descoberta mais recentemente, é utilizada para determinar a idade de fósseis. O isótopo instável 14C é produzido por reações nucleares na atmosfera como conseqüência de colisões do 12C com raios cósmicos, originando uma pequena proporção de 14C no CO2 da atmosfera. As plantas contêm a mesma proporção de 14C que a existente na atmosfera e quando morre deixa de absorver carbono e seu teor de 14C sofre decaimento beta e se transforma em 14N, que possui meia-vida igual a 5730 anos. Medindo a proporção de 14C dos núcleos restantes, podemos determinar em que ano o organismo morreu (YOUNG e FREEDMAN, 2004).
Até a descoberta da radioatividade, a seta do tempo (irreversibilidade do tempo), uma assimetria, e a uniformidade do tempo, uma simetria, estiveram associadas à segunda lei da termodinâmica. Essa lei determina a direção em que os processos termodinâmicos ocorrem e expressa o fato de que a energia, embora nunca possa se perder, pode se tornar indisponível para trabalho mecânico.
Se a energia mecânica fosse sempre constante, todos os processos seriam reversíveis, e o tempo também seria reversível. Como sabemos que isto não é verdade, a energia mecânica nunca é conservada, mesmo quando aparenta ser. Ela é dissipada em formas de energia menos organizadas, mas a soma de todas as diferentes energias é sempre constante. Essa conservação corresponde à uniformidade no transcurso do tempo[6].
Uma conseqüência da relação entre uniformidade do tempo e conservação da energia é poder realizarmos um mesmo experimento em instantes diferentes, nas mesmas condições físicas iniciais, obtendo resultados idênticos. Isto implica dizer que o sistema é simétrico para uma translação temporal.


O relógio de cristal de quartzo e o efeito piezelétrico

O relógio de cristal de quartzo foi desenvolvido pela primeira vez pelo cientista americano Warren A. Marrison, em 1929. Seu princípio de funcionamento se baseia no efeito piezelétrico (JESPERSEN e RANDOLPH, 1999). Quando submetido a uma deformação mecânica, um material piezelétrico sofre polarização elétrica e surge, então, uma diferença de potencial entre suas extremidades. Quando submetido a um campo elétrico, um material piezelétrico sofre deformações mecânicas. O material piezelétrico mais comum é o quartzo[7].
Quando colocado em um circuito elétrico apropriado, a interação entre deformações mecânicas e campo elétrico causam uma vibração no cristal e um sinal elétrico de freqüência relativamente constante é gerado (Figura 16). Este sinal pode ser usado para operar um relógio[8].

Figura 16 – Oscilador de cristal de quartzo

                                                 Fonte: http://www.britannica.com, adaptada.

Um cristal de quartzo opera em uma faixa de freqüência e vibra de poucos milhares a muitos milhões de ciclos por segundo. A esse cristal é acoplado um sistema de retorno auto-regulável que regula a freqüência de vibração do cristal. O primeiro relógio de cristal de quartzo foi envolvido por um gabinete de 3 metros de altura, 2 metros e meio de largura e 1 metro de profundidade. A fabricação de relógios de pulso de cristal de quartzo só foi possível após a invenção dos circuitos integrados, que reuniam muitas centenas de milhares de transistores e resistores em uma área muito pequena (JESPERSEN e RANDOLPH, 1999).
A introdução de chips de computadores nos circuitos integrados dos relógios de pulso de cristal de quartzo permitiram ao usuário usufruir outras funções como alarme, calculadora, lista telefônica dentre outras.

O relógio atômico na sociedade tecnológica

Em 1911, o físico Ernest Rutherford (1871-1937) realizou uma experiência que inviabilizou o modelo atômico de J.J. Thomson, conhecido como “pudim de ameixas”. Rutherford sabia que as partículas a eram positivas e bombardeou uma lâmina de ouro com essas partículas. Se a estrutura do átomo fosse semelhante à descrita no modelo de Thomson, com uma esfera positiva incrustada de elétrons de carga negativa, as partículas alfa atravessariam a lâmina de ouro sem sofrer nenhum desvio. Mas não foi exatamente isso que aconteceu. A maioria das partículas atravessava a folha, desviando-se pouco de sua direção inicial. Outras, no entanto, apresentavam grandes desvios. “Apenas uma em oito mil partículas a foi defletida com ângulo maior do que 90 graus” (ABDALLA, 2006, p.38).
Rutherford concluiu que o átomo era composto por um núcleo positivo muito pequeno, onde se concentraria a maior parte da massa do átomo e os elétrons estariam girando em torno do núcleo da mesma maneira que os planetas giram em torno do Sol. O novo modelo proposto por Rutherford, conhecido como “modelo planetário”, apresentava dois problemas, não explicava os espectros atômicos e o átomo era instável. Segundo a teoria eletromagnética clássica, um elétron acelerado movimentando-se em uma órbita circular, “emite radiação eletromagnética continuamente e, ao perder energia, irá em espiral, colapsar sobre o núcleo, em um tempo muito curto — cerca de um trilionésimo de segundo” (CHESMAN, ANDRÉ e MACEDO, 2004, p.125).
A Figura 17 mostra um elétron colapsando com o núcleo atômico, devido às perdas de energia previstas pela teoria eletromagnética:

Figura 17 - Elétron colapsando com o núcleo

Fonte: Jespersen e Randoplh (1999, p.54), adaptada.

Em 1913, Niels Henrik David Bohr (1885-1962) resolve o problema da instabilidade e dos espectros atômicos do modelo de Rutherford através de dois princípios fundamentais. No primeiro, ele postula a existência de estados estacionários de energia, nos quais os elétrons girariam sem perder energia e os elétrons só mudariam de órbita caso recebessem ou emitissem energia correspondente à transição completa entre dois estados.
Quantitativamente, esse primeiro princípio está relacionado à quantização do momento angular:
O primeiro princípio pode ser representado quantitativamente dizendo que os elétrons em suas órbitas circulares em torno do núcleo apresentam momento angular (L=mrv) cujo valor só pode ser um múltiplo inteiro de (símbolo que representa h/2p)[9]. Supondo que as órbitas obedeçam à física clássica, a velocidade do elétron é uma função do raio da órbita. Como o momento angular é quantizado, as órbitas também o são, isto é, um certo momento angular L1=mr1v1 determina a órbita de raio r1, o momento angular L2=mr2v2 estabelece a outra órbita r2. Se as órbitas são discretas (ou seja, os raios só podem ter certos valores), é fácil entender porque as linhas espectrais também o são. O raio, a energia, a velocidade e o momento angular correspondentes a determinada órbita estão associados a um número inteiro que também é chamado de número quântico principal. (ABDALLA, 2006, p.38).
O segundo princípio diz que a freqüência da radiação absorvida ou emitida deve ser exatamente igual à diferença de energia entre as duas órbitas envolvidas no salto quântico. Quanto mais afastada do núcleo está a órbita, maior a energia. Portanto, quando um elétron salta de uma órbita mais interna para uma mais externa ele deve ter absorvido energia e, quando retorna a sua órbita de origem, seu estado estacionário, emite radiação na forma de ondas eletromagnéticas (Figura 18). A freqüência dessa radiação depende da diferença de energia entre os dois níveis pela relação DE=h.f (ABDALLA, 2006).

Figura 18 – Salto quântico

                                          Fonte: Jespersen e Randolph (1999, p.54), adaptada.

            O conhecimento da estrutura atômica é fundamental para o entendimento do relógio atômico que tem como gerenciador da freqüência de vibração um átomo ou molécula. O coração de um relógio atômico também é um cristal de quartzo. Os relógios atômicos mais comuns usam o césio 133 para gerenciar a freqüência de vibração, que oscila numa freqüência de 9.192.631.770 Hz (Figura 19). O césio foi escolhido porque as freqüências envolvidas estão na faixa das ondas de rádio e podem ser medidas por técnicas convencionais (WHITROW, 1993).



Figura 19 – O relógio atômico de césio

                                                     Fonte: http://encarta.msn.com

O césio é um metal prateado à temperatura ambiente, possui 133 elétrons distribuídos em 6 níveis eletrônicos e pertence à família dos metais alcalinos. O seu último nível de energia possui apenas um elétron. Tanto os elétrons quanto o núcleo giram em torno de seu próprio eixo, gerando um campo magnético referente ao movimento de spin. Quando uma camada eletrônica está completa, os campos magnéticos gerados pelos elétrons daquela camada se anulam e, portanto, apenas a última camada do átomo de césio possui um campo magnético resultante não-nulo, gerado por um único elétron (Figura 20).

Figura 20 – Elétron mais externo e núcleo
girando em torno de seu próprio eixo

                                                Fonte: Jespersen e Randolph (1999, p.57)

Se o campo magnético gerado pelo núcleo e o campo magnético gerado pelo elétron mais externo estiverem alinhados com seus pólos norte na mesma direção, o átomo de césio se encontra em um estado de energia. Caso contrário, ele se encontra em um outro estado de energia. A diferença entre esses dois estados de energia, denominados níveis hiperfinos, corresponde a uma freqüência de 9.192.631.770 Hz[10]. Se submetermos átomos de césio à radiação (ondas de rádio) nesta freqüência, o giro do elétron mais externo pode mudar de sentido, absorvendo ou emitindo energia (JESPERSEN e RANDOLPH, 1999).
É através desse fenômeno que o césio controla a freqüência de vibração do cristal de quartzo. O princípio de funcionamento desse relógio está esquematizado na Figura 21:
Figura 21 – Relógio atômico de césio com oscilador de cristal de quartzo

         Fonte: Jespersen e Randolph (1999, p.58), adaptada.

Átomos de césio são aquecidos no forno até evaporarem e atravessam um tubo evacuado. Antes de entrar no tubo, eles passam por um portão magnético que separa em dois fluxos os átomos cujo elétron mais externo gira na mesma direção do núcleo ou em direção oposta a ele.
O fluxo de átomos que atravessa o tubo é exposto à sinais de rádio que oscilam em torno de 9.192.631.770 Hz. Quando o sinal tiver uma freqüência igual a esse valor, um número muito grande de átomos de césio mudarão seu estado de energia, mudando o sentido de giro do elétron mais externo.
No final do tubo existe um outro portão magnético que separa o feixe que absorveu energia e, conseqüentemente, mudou o sentido de giro, do feixe que não sofreu influência das ondas de rádio. O feixe que absorveu energia é direcionado para um detector que ajusta a freqüência de vibração do cristal de quartzo. Quando o número de átomos que atinge esse detector alcança um pico, ele traduz essa informação como a freqüência certa de emissão, ajustando em exatamente 9.192.631.770 Hz a freqüência de oscilação do cristal de quartzo.
Em 1967, o segundo passou a ser definido como a duração de 9.192.631.770 períodos de radiação que correspondem à transição entre dois níveis hiperfinos do átomo de césio-133.
A hora mundial é a média de mais de 300 relógios atômicos espalhados pelo mundo. Essa média é o Tempo Universal Coordenado (UTC). A precisão obtida com o relógio atômico é imprescindível em muitas áreas, principalmente as que requerem uma precisão acima de picossegundos, ou seja, relógios cujo erro seja da ordem de  0,000000000001s por dia, fornecendo dados necessários para o desenvolvimento de tecnologias.
            Nas telecomunicações, eles controlam o tráfego das comunicações de fibras ópticas, mensuram os fluxos de dados, medem a duração das transmissões e ajudam a direcionar as ligações. A precisão alcançada com o relógio atômico é necessária para a sincronização das informações. A diferença de horário entre dois lugares diferentes geram erros que comprometem as ligações [11].
            Para o Sistema de Posicionamento Global (GPS), 24 relógios atômicos espalhados em 24 satélites que orbitam a Terra fornecem a posição exata de automóveis, navios, aviões e barcos. Apenas três sinais são suficientes para o receptor na Terra decodificar a transmissão e informar as coordenadas (latitude, longitude e altitude). Os satélites emitem sinais de microondas sincronizados que atingem a superfície da Terra e voltam. A diferença do tempo de chegada do sinal de cada satélite determina no receptor terrestre a localização pontual na superfície do planeta. Uma diferença de frações de segundo entre esses relógios pode fornecer a posição com cerca de quilômetros de diferença 18.
            Na prospecção do petróleo, a diferença de frações de segundos entre os sinais enviados para o interior da terra e o de volta ajuda na identificação da existência do petróleo.
Relógios atômicos foram utilizados para testar a Teoria da Relatividade. Em 1977, Joseph Hafele e Richard Keating transportaram quatro relógios atômicos a bordo de uma aeronave comercial que realizou duas voltas ao mundo, uma em cada sentido. Eles confirmaram as previsões teóricas da Teoria da Relatividade dentro de uma margem de erro de 10%. Anos mais tarde físicos da Universidade de Maryland transportaram um relógio atômico em vários vôos com duração de 15 horas cada e obtiveram resultados dentro de uma margem de erro de 1%. Em decorrência disso, o transporte de relógios atômicos de uma localidade para outra leva em consideração a dilatação do tempo.
Os conhecimentos discutidos até então a partir desse processo de evolução tendo como eixo o relógio e o tempo constituem conteúdos que são abordados no Ensino de Física, mais precisamente, no Ensino Médio, na maioria das vezes de forma desarticuladas com outras áreas do conhecimento. Neste capítulo, procuramos abordá-los de forma interdisciplinar e contextualizada, articulando os conhecimentos de Física com as demais áreas da ciência por meio de um processo de complementaridade.
Além dos conteúdos explorados mais detalhadamente, outros também podem receber destaque, de acordo com as preferências do professor. Essa abordagem não é para ser utilizada como receita, mas sim para exemplificar como podemos articular a Física com o mundo em que vivemos, com outras disciplinas como Geografia e História, que parecem estar muito distantes da Física para os alunos de Ensino Médio, como também com a Matemática, a Química e a Filosofia, e, principalmente, para desmistificar a visão que o aluno tem acerca dos cientistas, mostrando que as Leis e Princípios da Física não “nasceram” dentro de um laboratório hermético, mas sim de experiências inseridas num contexto sócio-econômico, cultural e político.


[1] GMT (Greenwich Mean Time).
[2] A velocidade da luz no vácuo é, aproximadamente, igual a 300.000.000 m/s.
[3]  Um evento é algo que acontece e a que um observador pode atribuir quatro coordenadas.
[4]  NASA (National Aeronautics and Space Administration).
[5] Disposição das rochas em camadas superpostas.
[6]  Uma explicação detalhada é fornecida no livro A Matéria uma aventura do espírito: fundamentos e fronteiras do conhecimento físico, de Luis Carlos de Menezes.
[7] Piezeletricidade. Disponível em: http://coralx.ufsm.br/gmicro/mus/piezeletricidade.htm. Acesso em: 23 ago.2007.

[8] The evolution of time measurement through the ages. Disponível em: http://physics.nist.gov/ GenInt/Time/time.html. Acesso em: 15 jul. 2007.
[9] h é a constante de Planck e é igual a 6,63 x 10 -34 J.s
[10] A diferença de energia entre esses dois níveis hiperfinos é de 6.094714864 x 10-24 J. Essa energia fornece, pela quantização da energia (E = hf), a freqüência de vibração do átomo de césio.
[11] Precisão Tupiniquim. Disponível em: http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=2985&bd=1&pg=1& lg=.  Acesso em: 27 ago.2007.