No século XIX, com a expansão das estradas de ferro, as
férias se tornaram viáveis para a maioria das pessoas. Na Inglaterra, foi
adotada uma hora ferroviária uniforme, baseada no Tempo Médio de Greenwich[1],
Em 1884 foi realizada uma conferência internacional em Washington (EUA) para
decidir sobre o meridiano-origem comum ao tempo e à longitude. Decidiu-se que
esse meridiano seria o que passa pelo Observatório de Greenwich e que o Tempo
Universal seria o GMT (WHITROW, 1993).
A introdução do sinal de hora
pelo rádio no início do século XX dispensou o uso do método da distância lunar
na checagem dos cronômetros marinhos. Assim como o rádio, a introdução da
televisão e dos motores de combustão interna aumentaram a dependência do
relógio (WHITROW, 1993).
Na década de 1920, a precisão
da cronometragem foi melhorada por W. H. Shortt, que aperfeiçoou o relógio de
pêndulo de modo que independesse da temperatura. A precisão alcançada foi de 30 milissegundos
por dia (WHITROW, 1993). Na década de 1930, uma precisão maior foi
alcançada com o uso das vibrações mecânicas de cristais de quartzo num campo
elétrico em vez das vibrações de um pêndulo no campo gravitacional da Terra.
O relógio de cristal de quartzo é discutido na seção 1.6.3.
Por muitos séculos o tempo foi
controlado pela rotação do planeta. Porém, há determinadas características que
fazem com que a velocidade de giro da Terra sofra pequenas variações. Entre
elas destaca-se o fato da superfície da terra não ser uniforme, de haver
variação na proporção de ar e água, devido aos processos de liquefação e
condensação, e também pequenas mudanças que ocorrem no núcleo da Terra. Em
função disso, em 1952, o padrão de tempo deixou de ser a rotação da Terra e
passou a ser dado pela freqüência de uma linha espectral específica de uma
vibração atômica ou molecular (WHITROW,
1993), comentada na seção 1.6.4.
A Teoria da Relatividade e o
tempo relativo
No
dia-a-dia de uma pessoa comum, 1 metro será sempre 1 metro e 1 segundo será
sempre 1 segundo. Até a publicação, em 1905, da Teoria da Relatividade Especial
(TRE), por Albert Einstein, acreditava-se que espaço e tempo eram absolutos.
A Teoria se
baseou em dois postulados: o princípio da relatividade (as leis da Física são
as mesmas em todos os referenciais inerciais) e o princípio da constância da
velocidade da luz (a velocidade da luz no vácuo tem o mesmo valor c,
independentemente da velocidade do observador e da fonte)[2].
O primeiro
postulado é uma extensão do princípio da relatividade newtoniana (as leis de
Newton são invariantes em todos os referencias inerciais) para incluir todos os
tipos de fenômenos físicos, inclusive os eletromagnéticos. Como conseqüência,
não existe nenhum referencial inercial privilegiado e, portanto, o movimento
absoluto é impossível de ser detectado (TIPLER, 2001)
Como
conseqüência do segundo postulado, o tempo e o espaço ganharam outra
identidade, tornaram-se relativos, contrariando a doutrina newtoniana, na qual
espaço e tempo eram absolutos:
Não
existe, por exemplo, objetos sem tempo, nem períodos de tempo que não seja
demarcado por objetos colocados no espaço. Newton, entretanto, considerara o
espaço e o tempo como entidades reais, coisas físicas que existem
independentemente da nossa percepção mental — ou, por outra, livres de
condições impostas de fora (TRATTNER, 2003, p.21)
Newton
condensa sua doutrina em duas proposições:
(A)
há um tempo real, absoluto e matemático, que se escoa uniformemente em virtude
da sua própria natureza, independentemente de qualquer circunstância exterior;
(B) há um espaço absoluto, que permanece sempre o mesmo, em virtude da sua
própria natureza, independentemente das circunstâncias exteriores, e imóvel
(TRATTNER, 2003, p.21).
O erro de
Newton foi separar o espaço do tempo, porque eles se interpenetram e são
relativos um ao outro. Assim, o mundo não possui apenas três dimensões, mas
quatro. O tempo é a quarta dimensão. Apesar do erro, a Teoria da Relatividade
não veio para derrubar as idéias de Newton, mas complementá-las:
Quando Einstein
proclamou a Teoria da Relatividade, o entusiasmo popular que a acolheu era
animado da falsa impressão de que ela constituísse uma refutação completa de
Newton. Na realidade, porém, a relatividade é uma expansão e um refinamento das
idéias de Newton (TRATTNER, 2003, p.25).
A descrição de um evento[3] só
é perfeita quando as três coordenadas espaciais e a coordenada temporal são
especificadas. As coordenadas espaciais podem ser comparadas a uma rede
tridimensional de réguas, paralelas aos três eixos de referência. Em cada
interseção entre essas réguas, é colocado um relógio para determinar a
coordenada temporal (Figura 14) (HALLIDAY, RESNICK e WALKER, 2003).
Figura 14 – O sistema de coordenadas
espaço-tempo
Fonte: http://cmup.fc.up.pt
Esses relógios devem ser sincronizados
adequadamente. Sincronizar não é “reunir um conjunto de relógios idênticos,
ajustar todos para a mesma hora e deslocá-los para suas posições na rede de
réguas” (HALLIDAY, RESNICK e WALKER, 2003, p.103). Um dos métodos utilizados
para sincronizar uma rede de relógios se baseia num sinal luminoso e no
intervalo de tempo que esse sinal gasta para chegar até o relógio. Esse método
é descrito a seguir:
O observador pede a ajuda de um grupo de auxiliares,
um para cada relógio. Em seguida, o observador se coloca em um ponto escolhido
para ser a origem e produz um pulso luminoso no momento em que seu relógio
indica t = 0. quando o pulso luminoso chega ao local onde se encontra um dos
auxiliares, este auxiliar ajusta o relógio para indicar t=r/c, onde r é a
distância entre o auxiliar e a origem. Os relógios estarão então sincronizados
(HALLIDAY, RESNICK e WALKER, 2003, p.103).
Pela TRE, a velocidade da luz no vácuo
teria um valor absoluto, sendo esta a maior velocidade possível. Para isto, em
qualquer referencial, as distâncias devem encolher na direção do movimento e o
tempo deve se dilatar para o observador em movimento.
O intervalo de tempo entre dois
eventos que ocorrem num mesmo ponto em um referencial inercial (intervalo de
tempo próprio) é sempre menor que o intervalo de tempo medido em qualquer outro
referencial (tempo relativo). Por isso, dizemos que o tempo se dilata. A relação
entre o tempo próprio (delta t’)
e o tempo relativo (delta t) é:
O parâmetro
representado pela letra grega gama é o fator de Lorentz:
Já o comprimento do corpo medido num
referencial em que este se encontra em repouso (comprimento próprio) é sempre
maior que o comprimento medido em qualquer outro referencial (comprimento
relativo). A relação entre eles é:
onde L é o comprimento relativo e L’ é o comprimento
próprio.
Para exemplificar, imaginemos a
seguinte situação: Jorginho e Paulinho são dois amigos fascinados por aventura.
Um certo dia, foram convidados pela NASA[4]
para um viagem espacial que duraria 60 dias (5.184.000 s) para os observadores
na Terra. Paulinho aceitou o convite, mas Jorginho ficou com medo e preferiu
ficar por aqui. A nave que levou Paulinho para conhecer o espaço tinha 20
metros de comprimento e viajava com 30% da velocidade da luz no vácuo (0,3 c =
9 x 107 m/s). Quanto tempo a viagem durou para Paulinho? E qual o
comprimento da nave medida num referencial inercial situado na Terra?
O tempo medido por Jorginho é o tempo
relativo (Dt) e o
tempo medido por Paulinho é o tempo próprio (Dt’). Para v = 0.3c, o fator de Lorentz
é igual a 1,048. E, portanto, o tempo medido por Paulinho, em segundos, é igual
a 4.945.220s, pouco mais de 57 dias. O comprimento da nave diminui 0,92m para
os observadores que ficaram na Terra.
A descoberta da radioatividade
e a datação da Terra: o fim de uma controvérsia
No século
XVIII, “a crença de que a idéia de tempo é parte essencial da idéia de natureza
começou a se difundir” (WHITROW, 1993, p.172). Vários cientistas tentaram
explicar a origem e a evolução do universo. Para Whitrow (1993), a concepção de
Descartes de que o universo teria evoluído por processos naturais de separação
e combinação foi a origem de uma sucessão de teorias da evolução cósmica.
Alguns
cientistas e pensadores começaram a rejeitar a cronologia da natureza baseada
na Bíblia, pois era impossível chegar ao estado de evolução atual em tão pouco
tempo. Em 1788, o geólogo James Hutton concluiu que não havia vestígios de um
começo e nem perspectiva de um fim. Hutton consolidou a Geologia como ciência
e, através do princípio de causas naturais, que afirmava que “todo registro
geológico podia ser explicado pelos mesmos processos que atuam hoje, como
erosão, sedimentação, vulcanismo, etc., sem necessidade de apelar para origens
especiais ou intervenções divinas”, ele articulou suas idéias modernas sobre
Geologia e história da Terra (TEIXEIRA et al, 2003, p.312).
A Figura 15
mostra um cálculo da idade da Terra feito na Idade Média, mais precisamente no
ano de 1560, que garantia que a Terra tinha 5.200 anos. O Arcebispo Ussher
(1581-1656) que publicou um outro documento deste tipo, e mais detalhado, um
século depois, “declarou que a Criação deu-se na noite anterior ao dia 23 de
outubro, um domingo, do ano 4004 antes de Cristo” (TEIXEIRA et al, 2003, p.307).
Essa maneira de contar a idade da Terra continuou a ser difundida na Idade
Média e também no Renascimento por sábios europeus, que estimavam a idade da
Terra em 6.000 anos, em concordância com a Bíblia.
Figura 15 – O conceito medieval da idade da Terra
Fonte:
http://www.enem.inep.gov.br
No século
XVII, o físico Robert Hooke sugeriu a idéia de se usar fósseis para estabelecer
uma cronologia das rochas. Mas foi somente em 1815 que o agrimensor inglês e
colecionador de fósseis William Smith traçou o primeiro mapa geológico de todo
um país. Alguns anos antes, o francês Jean-Louis Giraud Soulavie foi o primeiro
a reconhecer que a ordenação estratigráfica[5]
das rochas pode ser vista como uma ordenação cronológica (WHITROW, 1993).
Durante o século XIX,
A idéia
do tempo como progressão linear passou finalmente a prevalecer, graças à
influência dos evolucionistas biológicos, mas a mentalidade que tornou possível
contemplar as centenas de milhões de anos exigidas para que o trabalho da
seleção natural explicasse as espécies passadas e presentes foi originariamente
preparada por geólogos (WHITROW, 1993, p. 175)
Além disso,
Medições
de tempo geológico que não sejam meras adivinhações exigem apelo à física, e
neste ponto Darwin enfrentou o que acreditou ser uma das mais sérias objeções à
sua teoria. Em 1854, o físico e fisiologista alemão Helmholtz sugerira que o
Sol mantém sua enorme emissão de radiação por estar encolhendo continuamente,
liberando assim energia gravitacional, a qual é convertida em energia térmica
de radiação. Calculou que a taxa atual de radiação solar não poderia ter sido
mantida pelo Sol por mais do que cerca de 20 milhões de anos. Essa conclusão
foi apoiada pelo físico britânico William Thomson (que se tornou lorde Kelvin
em 1892), que julgou que essa estimativa poderia ser estendida no máximo até 50
milhões de anos (WHITROW, 1993, p. 175)
O
problema temporal da idade da Terra, do Sol e, posteriormente, do Universo, só
foi solucionado após a descoberta da radioatividade, no final do século XIX. E,
para surpresa de muitos, não era da ordem de dezenas de milhões de anos, como
sugerira o lorde Kelvin, e sim de milhares de milhões de anos, como relatado
abaixo:
Atualmente
se sabe que há nas rochas da crosta uma abundância de elementos radioativos
suficiente para tornar extremamente pequena a perda efetiva de calor da Terra,
e a idade de algumas dezenas de milhões de anos que Kelvin estimou para o
planeta foi substituída por cerca de 4.500 milhões de anos. Assim também, hoje
é consenso que o calor do Sol é mantido por processos termonucleares que
ocorrem no seu núcleo, podendo permanecer constante por bilhões de anos; a
idade que atualmente se atribui ao Sol é de cerca de 4.700 milhões de anos
(WHITROW, 1993, p. 177)
A radioatividade, por ser um processo
não-cíclico, é um indicador da “seta do tempo”. Esse processo ocorre no núcleo
atômico e independe de fatores externos. Existem mais de 2.500 nuclídeos
conhecidos. Denomina-se nuclídeo um determinado núcleo com valores definidos
para o número de prótons e de nêutrons. Desses 2.500 nuclídeos, cerca de 300
são estáveis. Os outros são estruturas instáveis que sofrem decaimento ao
emitir partículas (alfa e beta) e ondas eletromagnéticas (raios X e raios gama)
para se tornarem estáveis. Esse decaimento varia desde frações de microssegundo
até bilhões de anos. Meia-vida é “o tempo necessário para que o número de
núcleos radioativos se reduza à metade do número original N0.[...] O
números de núcleos radioativos restantes depois de sucessivas meias-vidas são N0/2,
N0/4, N0/8,....” (YOUNG; FREEDMAN, 2004, p.346).
Um processo muito utilizado para
estimar a idade da Terra baseia-se na comparação das quantidades de urânio e
chumbo presentes em minérios de urânio, que acredita-se existirem desde a
formação do planeta. O chumbo presente nesses minérios provém do decaimento do
isótopo 238U que, após uma série de emissões radioativas, resulta na
formação do isótopo 206Pb, estável. Nesta série cada átomo de chumbo
206 provém de um átomo de urânio 238. Assim, o número de átomos de 206Pb
presentes em um minério de urânio (pechblenda, por exemplo) indica o número de
átomos de 238U que sofreu decaimento (EICHLER, 2007).
De forma semelhante, a datação com o
carbono-14, descoberta mais recentemente, é utilizada para determinar a idade
de fósseis. O isótopo instável 14C é produzido por reações nucleares
na atmosfera como conseqüência de colisões do 12C com raios
cósmicos, originando uma pequena proporção de 14C no CO2
da atmosfera. As plantas contêm a mesma proporção de 14C que a
existente na atmosfera e quando morre deixa de absorver carbono e seu teor de 14C
sofre decaimento beta e se transforma em 14N, que possui meia-vida
igual a 5730 anos. Medindo a proporção de 14C dos núcleos restantes,
podemos determinar em que ano o organismo morreu (YOUNG e FREEDMAN, 2004).
Até a descoberta da radioatividade, a seta do tempo
(irreversibilidade do tempo), uma assimetria, e a uniformidade do tempo, uma
simetria, estiveram associadas à segunda lei da termodinâmica. Essa lei
determina a direção em que os processos termodinâmicos ocorrem e expressa o
fato de que a energia, embora nunca possa se perder, pode se tornar
indisponível para trabalho mecânico.
Se a energia mecânica fosse sempre constante, todos os
processos seriam reversíveis, e o tempo também seria reversível. Como sabemos
que isto não é verdade, a energia mecânica nunca é conservada, mesmo quando
aparenta ser. Ela é dissipada em formas de energia menos organizadas, mas a
soma de todas as diferentes energias é sempre constante. Essa conservação
corresponde à uniformidade no transcurso do tempo[6].
Uma conseqüência da relação entre uniformidade do tempo e
conservação da energia é poder realizarmos um mesmo experimento em instantes
diferentes, nas mesmas condições físicas iniciais, obtendo resultados
idênticos. Isto implica dizer que o sistema é simétrico para uma translação
temporal.
O relógio de cristal de quartzo
e o efeito piezelétrico
O relógio de cristal de quartzo foi
desenvolvido pela primeira vez pelo cientista americano Warren A. Marrison, em
1929. Seu princípio de funcionamento se baseia no efeito piezelétrico
(JESPERSEN e RANDOLPH, 1999). Quando submetido a uma deformação mecânica, um
material piezelétrico sofre polarização elétrica e surge, então, uma diferença
de potencial entre suas extremidades. Quando submetido a um campo elétrico, um
material piezelétrico sofre deformações mecânicas. O material piezelétrico mais
comum é o quartzo[7].
Quando colocado em um circuito
elétrico apropriado, a interação entre deformações mecânicas e campo elétrico
causam uma vibração no cristal e um sinal elétrico de freqüência relativamente
constante é gerado (Figura 16). Este sinal pode ser usado para operar um
relógio[8].
Figura 16 – Oscilador de cristal de quartzo
Fonte: http://www.britannica.com, adaptada.
Um cristal de quartzo opera em uma
faixa de freqüência e vibra de poucos milhares a muitos milhões de ciclos por
segundo. A esse cristal é acoplado um sistema de retorno auto-regulável que
regula a freqüência de vibração do cristal. O primeiro relógio de cristal de
quartzo foi envolvido por um gabinete de 3 metros de altura, 2 metros e meio de
largura e 1 metro de profundidade. A fabricação de relógios de pulso de cristal
de quartzo só foi possível após a invenção dos circuitos integrados, que
reuniam muitas centenas de milhares de transistores e resistores em uma área
muito pequena (JESPERSEN e RANDOLPH, 1999).
A
introdução de chips de computadores nos circuitos integrados dos relógios de
pulso de cristal de quartzo permitiram ao usuário usufruir outras funções como
alarme, calculadora, lista telefônica dentre outras.
O relógio atômico na sociedade
tecnológica
Em 1911, o físico Ernest Rutherford
(1871-1937) realizou uma experiência que inviabilizou o modelo atômico de J.J.
Thomson, conhecido como “pudim de ameixas”. Rutherford sabia que as partículas a eram positivas e bombardeou uma lâmina de ouro com essas
partículas. Se a estrutura do átomo fosse semelhante à descrita no modelo de
Thomson, com uma esfera positiva incrustada de elétrons de carga negativa, as
partículas alfa atravessariam a lâmina de ouro sem sofrer nenhum desvio. Mas
não foi exatamente isso que aconteceu. A maioria das partículas atravessava a
folha, desviando-se pouco de sua direção inicial. Outras, no entanto,
apresentavam grandes desvios. “Apenas uma em oito mil partículas a foi defletida com ângulo maior do que
90 graus” (ABDALLA, 2006, p.38).
Rutherford concluiu que o átomo era
composto por um núcleo positivo muito pequeno, onde se concentraria a maior
parte da massa do átomo e os elétrons estariam girando em torno do núcleo da
mesma maneira que os planetas giram em torno do Sol. O novo modelo proposto por
Rutherford, conhecido como “modelo planetário”, apresentava dois problemas, não
explicava os espectros atômicos e o átomo era instável. Segundo a teoria
eletromagnética clássica, um elétron acelerado movimentando-se em uma órbita
circular, “emite radiação eletromagnética continuamente e, ao perder energia,
irá em espiral, colapsar sobre o núcleo, em um tempo muito curto — cerca de um
trilionésimo de segundo” (CHESMAN, ANDRÉ e MACEDO, 2004, p.125).
A Figura 17 mostra um elétron colapsando com
o núcleo atômico, devido às perdas de energia previstas pela teoria
eletromagnética:
Figura 17 - Elétron colapsando com o núcleo
Fonte: Jespersen e Randoplh (1999, p.54), adaptada.
Em 1913,
Niels Henrik David Bohr (1885-1962) resolve o problema da instabilidade e dos
espectros atômicos do modelo de Rutherford através de dois princípios
fundamentais. No primeiro, ele postula a existência de estados estacionários de
energia, nos quais os elétrons girariam sem perder energia e os elétrons só
mudariam de órbita caso recebessem ou emitissem energia correspondente à
transição completa entre dois estados.
Quantitativamente,
esse primeiro princípio está relacionado à quantização do momento angular:
O
primeiro princípio pode ser representado quantitativamente dizendo que os
elétrons em suas órbitas circulares em torno do núcleo apresentam momento
angular (L=mrv) cujo valor só pode ser um múltiplo inteiro de (símbolo que representa h/2p)[9].
Supondo que as órbitas obedeçam à física clássica, a velocidade do elétron é
uma função do raio da órbita. Como o momento angular é quantizado, as órbitas
também o são, isto é, um certo momento angular L1=mr1v1
determina a órbita de raio r1, o momento angular L2=mr2v2
estabelece a outra órbita r2. Se as órbitas são discretas (ou seja,
os raios só podem ter certos valores), é fácil entender porque as linhas
espectrais também o são. O raio, a energia, a velocidade e o momento angular
correspondentes a determinada órbita estão associados a um número inteiro que
também é chamado de número quântico principal. (ABDALLA, 2006, p.38).
O segundo
princípio diz que a freqüência da radiação absorvida ou emitida deve ser
exatamente igual à diferença de energia entre as duas órbitas envolvidas no
salto quântico. Quanto mais afastada do núcleo está a órbita, maior a energia.
Portanto, quando um elétron salta de uma órbita mais interna para uma mais
externa ele deve ter absorvido energia e, quando retorna a sua órbita de
origem, seu estado estacionário, emite radiação na forma de ondas
eletromagnéticas (Figura 18). A freqüência dessa radiação depende da diferença
de energia entre os dois níveis pela relação DE=h.f (ABDALLA, 2006).
Figura
18 – Salto quântico
Fonte:
Jespersen e Randolph (1999, p.54), adaptada.
O
conhecimento da estrutura atômica é fundamental para o entendimento do relógio
atômico que tem como gerenciador da freqüência de vibração um átomo ou
molécula. O coração de um relógio
atômico também é um cristal de quartzo. Os relógios atômicos mais comuns usam o
césio 133 para gerenciar a freqüência de vibração, que oscila numa freqüência
de 9.192.631.770 Hz (Figura 19). O césio foi escolhido porque as freqüências
envolvidas estão na faixa das ondas de rádio e podem ser medidas por técnicas
convencionais (WHITROW, 1993).
Figura 19 – O relógio atômico de césio
Fonte: http://encarta.msn.com
O césio é um metal prateado à
temperatura ambiente, possui 133 elétrons distribuídos em 6 níveis eletrônicos
e pertence à família dos metais alcalinos. O seu último nível de energia possui
apenas um elétron. Tanto os elétrons quanto o núcleo giram em torno de seu
próprio eixo, gerando um campo magnético referente ao movimento de spin. Quando
uma camada eletrônica está completa, os campos magnéticos gerados pelos
elétrons daquela camada se anulam e, portanto, apenas a última camada do átomo
de césio possui um campo magnético resultante não-nulo, gerado por um único
elétron (Figura 20).
Figura 20 – Elétron mais externo e núcleo
girando em torno de seu próprio eixo
Fonte:
Jespersen e Randolph (1999, p.57)
Se o campo magnético gerado
pelo núcleo e o campo magnético gerado pelo elétron mais externo estiverem
alinhados com seus pólos norte na mesma direção, o átomo de césio se encontra
em um estado de energia. Caso contrário, ele se encontra em um outro estado de
energia. A diferença entre esses dois estados de energia, denominados níveis
hiperfinos, corresponde a uma freqüência de 9.192.631.770 Hz[10].
Se submetermos átomos de césio à radiação (ondas de rádio) nesta freqüência, o
giro do elétron mais externo pode mudar de sentido, absorvendo ou emitindo
energia (JESPERSEN e RANDOLPH, 1999).
É através desse fenômeno que o
césio controla a freqüência de vibração do cristal de quartzo. O princípio de
funcionamento desse relógio está esquematizado na Figura 21:
Figura 21 – Relógio
atômico de césio com oscilador de cristal de quartzo
Fonte: Jespersen e Randolph
(1999, p.58), adaptada.
Átomos de césio são aquecidos no forno
até evaporarem e atravessam um tubo evacuado. Antes de entrar no tubo, eles
passam por um portão magnético que separa em dois fluxos os átomos cujo elétron
mais externo gira na mesma direção do núcleo ou em direção oposta a ele.
O fluxo de átomos que atravessa o tubo
é exposto à sinais de rádio que oscilam em torno de 9.192.631.770 Hz. Quando o
sinal tiver uma freqüência igual a esse valor, um número muito grande de átomos
de césio mudarão seu estado de energia, mudando o sentido de giro do elétron
mais externo.
No final do tubo existe um outro
portão magnético que separa o feixe que absorveu energia e, conseqüentemente,
mudou o sentido de giro, do feixe que não sofreu influência das ondas de rádio.
O feixe que absorveu energia é direcionado para um detector que ajusta a
freqüência de vibração do cristal de quartzo. Quando o número de átomos que
atinge esse detector alcança um pico, ele traduz essa informação como a
freqüência certa de emissão, ajustando em exatamente 9.192.631.770 Hz a
freqüência de oscilação do cristal de quartzo.
Em 1967, o segundo passou a ser definido como a
duração de 9.192.631.770 períodos de radiação que correspondem à transição
entre dois níveis hiperfinos do átomo de césio-133.
A hora mundial é a média de mais de
300 relógios atômicos espalhados pelo mundo. Essa média é o Tempo Universal
Coordenado (UTC). A precisão obtida com o relógio atômico é imprescindível em
muitas áreas, principalmente as que requerem uma precisão acima de
picossegundos, ou seja, relógios cujo erro seja da ordem de 0,000000000001s por dia, fornecendo dados
necessários para o desenvolvimento de tecnologias.
Nas
telecomunicações, eles controlam o tráfego das comunicações de fibras ópticas,
mensuram os fluxos de dados, medem a duração das transmissões e ajudam a
direcionar as ligações. A precisão alcançada com o relógio atômico é necessária
para a sincronização das informações. A diferença de horário entre dois lugares
diferentes geram erros que comprometem as ligações [11].
Para o
Sistema de Posicionamento Global (GPS), 24 relógios atômicos espalhados em 24
satélites que orbitam a Terra fornecem a posição exata de automóveis, navios,
aviões e barcos. Apenas três sinais são suficientes para o receptor na Terra
decodificar a transmissão e informar as coordenadas (latitude, longitude e
altitude). Os satélites emitem sinais de microondas sincronizados que atingem a
superfície da Terra e voltam. A diferença do tempo de chegada do sinal de cada
satélite determina no receptor terrestre a localização pontual na superfície do
planeta. Uma diferença de frações de segundo entre esses relógios pode fornecer
a posição com cerca de quilômetros de diferença 18.
Na
prospecção do petróleo, a diferença de frações de segundos entre os sinais
enviados para o interior da terra e o de volta ajuda na identificação da
existência do petróleo.
Relógios atômicos foram utilizados para testar a
Teoria da Relatividade. Em 1977, Joseph Hafele e Richard Keating transportaram
quatro relógios atômicos a bordo de uma aeronave comercial que realizou duas
voltas ao mundo, uma em cada sentido. Eles confirmaram as previsões teóricas da
Teoria da Relatividade dentro de uma margem de erro de 10%. Anos mais tarde
físicos da Universidade de Maryland transportaram um relógio atômico em vários
vôos com duração de 15 horas cada e obtiveram resultados dentro de uma margem
de erro de 1%. Em decorrência disso, o transporte de relógios atômicos de uma
localidade para outra leva em consideração a dilatação do tempo.
Os conhecimentos discutidos até então a partir
desse processo de evolução tendo como eixo o relógio e o tempo constituem
conteúdos que são abordados no Ensino de Física, mais precisamente, no Ensino
Médio, na maioria das vezes de forma desarticuladas com outras áreas do
conhecimento. Neste capítulo, procuramos abordá-los de forma interdisciplinar e
contextualizada, articulando os conhecimentos de Física com as demais áreas da
ciência por meio de um processo de complementaridade.
Além dos conteúdos explorados mais detalhadamente,
outros também podem receber destaque, de acordo com as preferências do
professor. Essa abordagem não é para ser utilizada como receita, mas sim para
exemplificar como podemos articular a Física com o mundo em que vivemos, com
outras disciplinas como Geografia e História, que parecem estar muito distantes
da Física para os alunos de Ensino Médio, como também com a Matemática, a
Química e a Filosofia, e, principalmente, para desmistificar a visão que o
aluno tem acerca dos cientistas, mostrando que as Leis e Princípios da Física
não “nasceram” dentro de um laboratório hermético, mas sim de experiências
inseridas num contexto sócio-econômico, cultural e político.
[1] GMT (Greenwich Mean Time).
[2] A velocidade da luz no vácuo é,
aproximadamente, igual a 300.000.000 m/s.
[3]
Um evento é algo que acontece e a que um observador pode atribuir quatro
coordenadas.
[4] NASA (National Aeronautics and Space
Administration).
[5] Disposição das rochas em camadas
superpostas.
[6]
Uma explicação detalhada é fornecida no livro A Matéria uma aventura
do espírito: fundamentos e fronteiras do conhecimento físico, de Luis
Carlos de Menezes.
[7]
Piezeletricidade. Disponível em:
http://coralx.ufsm.br/gmicro/mus/piezeletricidade.htm. Acesso em: 23 ago.2007.
[8] The evolution of
time measurement through the ages. Disponível em:
http://physics.nist.gov/ GenInt/Time/time.html. Acesso em: 15 jul. 2007.
[9] h é a constante de Planck e é igual a 6,63 x 10 -34
J.s
[10] A diferença de energia entre esses
dois níveis hiperfinos é de 6.094714864 x 10-24 J. Essa energia
fornece, pela quantização da energia (E = hf), a freqüência de vibração do
átomo de césio.
[11] Precisão
Tupiniquim. Disponível em:
http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=2985&bd=1&pg=1& lg=. Acesso em: 27 ago.2007.