terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O relógio, o calendário e o tempo na Antiguidade


Por muitos séculos, o tempo esteve diretamente ligado à Astronomia. A passagem do tempo era contada a partir de ciclos naturais, como o nascer e o pôr-do-sol. O calendário solar, desenvolvido pelos egípcios por meio de delicadas observações astronômicas, é o que mais se aproxima do nosso atual. O calendário lunar desenvolvido pelos babilônios nos deixou como herança o mês dividido em semanas de 7 dias, em decorrência das quatro fases da Lua. Além disso, o primeiro relógio desenvolvido pela humanidade tinha relação com a astronomia. O relógio de sol não foi apenas o primeiro, mas serviu para “calibrar” outros tipos de relógio. Cada avanço na contagem do tempo decorreu de um processo de evolução, na qual a necessidade de um calendário ou de um relógio se tornava uma questão de sobrevivência.
O Egito Antigo, localizado numa região predominantemente desértica, permitia a agricultura em apenas 5% do seu solo, nas regiões situadas às margens do Rio Nilo. A confecção de um calendário era de extrema importância para essa civilização, pois, a partir dele, seria possível saber o período certo para semear e colher.
Além do nascer e do pôr-do-sol, os egípcios observaram também o momento exato do meio-dia[1], usando uma vareta fincada no chão. Nesse momento, não há sombra, pois o Sol encontra-se à pino (JESPERSEN e RANDOLPH, 1999).
Os egípcios se basearam nos movimentos de translação e de rotação da Terra (Figura 02) para a determinação de um calendário, há 6000 anos. O ano civil era composto de 12 meses de 30 dias cada, mais 5 dias adicionais[2], ao final de cada ano, correspondente aos aniversários dos deuses Osíris, Hórus, Ísis, Néftis e Seth, totalizando 365 dias. Esse ano civil foi dividido em três estações[3]: tempo da inundação, tempo da semeadura e tempo da colheita (WHITROW, 1993).  A divisão do dia em 24 horas (do pôr-do-sol ao pôr-do-sol) deve-se aos egípcios, apesar da sua duração variar em cada época do ano, pois dividiam o período claro em 12 horas e o período escuro também. A divisão da hora em 60 minutos e do minuto em 60 segundos foi resultado do sistema sexagesimal usado na antiga Babilônia, posteriormente utilizado no Egito (WHITROW, 1993).

Figura 02 – Relação (a) do ano e (b) do dia com os movimentos
 de translação e rotação da Terra
 

               Fonte: Jespersen e Randolph (1999, p.101), adaptada.

A princípio, os egípcios utilizaram o Sol para medir as horas ao longo do dia. O relógio mais antigo, um relógio de sol, foi encontrado no Egito e construído por volta de 1500 a.C. O Egito era um país de céu quase sem nuvens, o que propiciava a observação de sombras para a medição de momentos do dia (WHITROW, 1993). O princípio de funcionamento de um relógio de sol é a projeção da sombra de um ponteiro, denominado gnômon, sobre uma superfície. Como mostra a Figura 03:

Figura 03  – Princípio de funcionamento
 do relógio de sol

 Fonte: http://www.britannica.com

Apesar de ser facilmente construído e utilizado por qualquer pessoa, o relógio de sol apresenta algumas limitações. Ele não pode ser usado à noite e sua precisão não é boa, pois não marca intervalos de tempo da ordem de minutos. Atualmente, sabe-se que alguns fatores relacionados ao movimento da Terra em torno do seu eixo e ao redor do Sol contribuem para a sua baixa precisão:
·         a órbita da Terra em torno do Sol não é um círculo, e sim uma elipse, viajando mais rápido quando está mais perto do sol do que quando está mais longe;
·         o eixo da Terra não está no plano de sua órbita em torno do Sol;
·         a Terra gira com uma velocidade irregular em torno de seu eixo.
Para aquela época, o relógio de Sol era confiável quando o Sol estava brilhando. Mas o que fazer quando o Sol não estava brilhando? Outros tipos de relógio tiveram que ser desenvolvidos e o Sol foi uma espécie de relógio-mestre que serviu como uma escala de tempo primária para calibrar e ajustar outros relógios (JESPERSEN e RANDOLPH, 1999). Bonitos relógios de sol ainda decoram jardins e construções. A Figura 04 mostra um relógio de sol construído na praia de Areia Preta, no município de Natal/RN.

Figura 04 – Relógio de sol na Praia
 de Areia Preta (Natal/RN)

                             Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki

Os egípcios também desenvolveram outros instrumentos de medição do tempo, entre eles o relógio de água. O principal objetivo da construção desse tipo de relógio era a medição do tempo durante a noite, ou quando não havia Sol. “Foram desenvolvidos dois tipos principais, em que a água fluía para fora ou para dentro, respectivamente, de um vaso graduado” (WHITROW, 1993, p.42). Dependendo do nível em que a água se encontrava, podia-se determinar a hora[4]. A Figura 05 mostra um relógio em que a água fluí para dentro de um vaso graduado. Posteriormente, o relógio de água foi chamado de clepsidra pelos gregos (WHITROW, 1993).

Figura 05 – Relógio de água

         Fonte: http://cienciaecultura.bvs.br


Ao contrário do Egito, a Babilônia era uma região que não apresentava as regularidades observadas em torno do Rio Nilo. Segundo Whitrow (1993), os habitantes da Antiga Mesopotâmia, região entre os rios Tigre e Eufrates, eram obrigados a enfrentar variações climáticas, ventos cortantes, chuvas fortes e enchentes devastadoras, que escapavam a seu controle. Para os babilônios, essa fúria da natureza não podia ser superada por cultos religiosos:
A mentalidade que marca a civilização mesopotâmica reflete esse elemento de força e violência da natureza, que não propiciava a crença de que a devastação causada pelo tempo podia ser superada por um culto ritual como o de Osíris, no Egito. Ainda que houvessem indícios de ordem cósmica nos movimentos do Sol, da Lua e das estrelas, bem como no ciclo das estações, essa ordem não era encarada como seguramente estabelecida, devendo ser continuamente promovida pela integração de vontades ou poderes divinos conflitantes. (WHITROW, 1993, p.43-44).
Os babilônios pensavam que havia nos eventos humanos uma contrapartida para cada fenômeno celeste. Por isso, os astrônomos-sacerdotes faziam observações detalhadas dos corpos celestes. Essas observações constituíam a astrologia judicial e, suas predições "diziam respeito à corte real e ao Estado e não aos indivíduos comuns" (WHITROW, 1993, p.45). A astrologia horoscópica se desenvolveu mais tarde, por volta de 400 a.C. De acordo com ela, as posições dos astros no momento em que uma pessoa nasce influencia muitas características e acontecimentos na vida do indivíduo. Tanto a astrologia judicial como a horoscópica baseavam-se na visão da existência fundamentalmente determinística:

Pessoas que acreditavam que a história e o destino dos homens eram controlados pelos astros não eram propensas a alimentar a idéia de progresso histórico. Ao contrário, tendiam antes a adotar uma visão cíclica do tempo, de acordo com a periodicidade dos movimentos do Sol, da Lua e dos planetas (WHITROW, 1993, p.45).
A Lua era a base do calendário babilônico. Eles dividiram o ano em 12 ou 13 meses, de 30 dias, dividiram o dia em 12 períodos e esses períodos em 30 partes. O mês tinha início quando a Lua crescente se tornava visível após o anoitecer e o dia tinha início após o pôr-do-sol. Os babilônios foram os primeiros a associar períodos de sete dias com as fases da Lua. Inventaram o zodíaco, um cinturão à volta do céu em que se situavam o Sol, a Lua e os planetas.  Dividiram o céu em doze signos zodiacais, de 30 dias cada (Figura 06). A divisão do céu foi estendida à divisão do círculo, “levando assim ao costume que hoje temos de dividir o ângulo completo (bidimensional) em torno de um ponto em 360 graus” (WHITROW, 1993, p.46).

Figura 06 – Os doze signos do zodíaco

                               Fonte: http://astro.if.ufrgs.br

Ainda na Antiguidade, os filósofos gregos especularam incessantemente sobre a origem do mundo e a substância a partir da qual todas as outras foram formadas. Viam o tempo como um juiz. "O pressuposto básico era que o Tempo sempre descobrirá e vingará qualquer ato de injustiça" (WHITROW, 1993, p.54).
Segundo os ensinamentos pitagóricos, a essência das coisas "deve ser buscada no conceito de número, ao qual se atribuía significado espacial e também temporal" (WHITROW, 1993, p.55). Até mesmo as configurações espaciais eram vistas como temporais. Isso pode ser exemplificado pelo gnômon, que era um instrumento de medição do tempo.
Parmênides afirmava que o tempo não pode pertencer a nada que seja verdadeiramente real e propôs uma distinção entre o mundo da aparência, revelado pelos nossos sentidos, e o mundo da realidade, revelado pela razão:
Sua proposição básica era: "Aquilo que é é, e lhe é impossível não ser". A partir disso, afirmava que, uma vez que somente o presente “é”, isto decorre que passado e futuro são igualmente carentes de significado - o único tempo é um tempo presente contínuo, e o que existe é não criado e também imperecível. A partir disto, Parmênides propôs uma distinção básica entre o mundo da aparência, caracterizado pelo tempo e a mudança, e o mundo da realidade, imutável e atemporal. O primeiro é revelado por nossos sentidos, mas estes são enganosos. O segundo nos é revelado pela razão e é o único modo verdadeiro de existência. (WHITROW, 1993, p.56)
Segundo sua proposição básica, a luz pertence ao ser e a escuridão, por se tratar de ausência de luz, ao não ser.
Para Platão, o tempo era produzido pelas revoluções da esfera celeste. Logo, o tempo e o universo seriam inseparáveis. Já para Aristóteles, é através da consciência do “antes” e do “depois” que temos consciência do tempo (WHITROW, 1993).
           Os gregos utilizavam como instrumentos de medição do tempo o relógio de sol (gnômon) e o relógio de água (clepsidra) desenvolvidos pelos egípcios.


[1] Esse momento variava de região para região.
[2] Para coincidir o início do ano com o surgimento periódico de Sírius, a principal estrela da constelação do Cão Maior.
[3] Cada uma com duração de 4 meses.
[4] Relógios de água ainda são utilizados no Norte da África.

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